domingo, 19 de fevereiro de 2012

Liberação dos Tormentos

Noutro dia senti uma saudade imensa de escrever. Uma saudade que me fez querer coscuvilhar todos os textos que escrevi.

Li. Reli. Reflecti. Todos esses textos relatam pensamentos e sentimentos. Todos esses textos retratam imagens e melodias sentidas em mim. Estava tudo isso aglomerado em papel. Todos esses textos estavam escritos em diversos papéis. Meros papéis, que para mim teve sempre uma enorme importância. Papéis, que consentiram a minha caligrafia e rabiscos de raiva. Toda essa raiva expressa em palavras que partiam do meu interior. Um interior que explodia dor, choro, angústia, amor e morte. Palavras que expressavam tanta amargura.

Porquê que as palavras podem-nos tocar tanto? É estranho! Mas no fundo sinto um gozo em sentir esse toque.

A sensibilidade das palavras é como fortalezas de sentidos construídas à volta do coração. Uma barreira que nos defende ou, então, que nos desmoronei-a, prostrando-nos, assim, no chão.

Todavia, há que saber sentir. Há que saber sentir a dor e a sanidade das palavras. Há que saber sentir a dor e a sanidade da vida. Nada é perfeito! Mas nem tudo é imperfeito.

Hoje, dou um diminuto grito de liberdade. Um grito de liberação dos tormentos! Tenho caminhado sobre os trilhos da felicidade que tem sido tão afortuno para mim. Felicidade que tem sido arquitectada como um edifício.

Neste momento, encontro-me em remodelação ao apoio por diversos operários. Operários esses que estimo e admiro muito (Obrigado amigos pelo amparo e conselhos).

Nunca tive grande jeito para escrever, mas foi sempre o meu pequeno e grande mundo de resguarda. O que me interessa em tudo isto é libertar-me.

Desta maneira, remato este meu último texto com um maravilhoso excerto de uma pessoa que estimo imenso, que resume a memória das memórias:

"Tenho pena de todas as memórias, tenho pena que desse lugar me tenham restado todas estas memórias, agora encaixotadas no armazém do pensamento, isoladas da realidade do hoje e do amanhã, perpetuadas no ontem: passados meus. Como fui guardar tudo isto em mim? Podia esquecer mas não posso, não posso apagar de mim o que sou, porque o que sou é o ontem, o hoje e o amanhã, o que sou são todos os passados meus, todos os futuros que serão, qualquer dia, passados diferentes e, ainda assim, passados. Tenho em mim todas as coisas, tenho em mim todos os meus Eus, nunca aprendi a separar-me deles. Acho que nunca o quis de verdade. Fui-me só deixando soltar, libertando-me das correntes, daquelas correntes que me prendiam a um chão imutável, a um chão sempre chão e sempre igual, estático. Já guardei todas as folhas escritas numa pasta preta, dentro de um saco de uma loja qualquer, fechado naquela mala que nunca tenho de abrir. Lembro-me sempre que estão lá, mas já não tenho de os tocar todos os dias, já não quero ler-me daquela forma.

Quando regresso ao lugar, sei que ele me reconhece, sei bem que ele sabe que cheguei. Sinto o cheiro daquele momento, do momento em que lhe disse, adeus, não posso mais estar aqui. Ele não me disse nada, durante tanto tempo ele não me disse nada. Sei que não me compreendeu, sei que não sabia a dimensão de tudo por dentro do meu peito, por dentro da minha carne rasgada. Depois, comecei a sentir o alívio do perdão, hoje ele sabe bem porque foi preciso desistir. Nem sempre desistimos para morrer, nem sempre desistimos para esquecer. Por vezes, é preciso desistir para regressar.

Por isso, hoje quando volto e piso aquele chão, penso que já não existem ali verdades para me agredir, tudo está onde devia estar. Amor e luz, paz. Finalmente, eu estou exactamente onde devia estar. " by. Joana Rita Inocêncio